Exposição Virtual 300 anos de Minas Gerais: os selos postais e a(s) história(s) de um território

 

Texto e pesquisa por Mayra Guapindaia

Historiadora da Gerência de Filatelia dos Correios

 

Os selos postais surgiram na Inglaterra nos anos 1840 e, logo em seguida, foram adotados no Brasil em 1843. Desde o início, os selos postais logo deixaram de ser mero comprovante de pagamento adiantado da entrega de cartas para se tornar um importante meio textual e visual de divulgação de elementos sociais, culturais e históricos relacionados à uma época. Portanto, é possível afirmar que os selos têm uma função dupla: servir como comprovante de pagamento adiantado de taxa pelo envio de carta pelos Correios e fazer circular imagens tidas como parte importante da simbologia atrelada à história oficial de um Estado-Nação. Os selos podem ser considerados verdadeiros lugares de memória, de acordo com o conceito do historiador francês Pierre Nora, pois são espaços nos quais determinados grupos sociais escolhem representar aquilo que consideram ser essencial manter na lembrança do coletivo (NORA, 1993, p.10).

O território das Minas, de importância inegável desde a descoberta do ouro em fins do século XVII, foi representado em selos postais comemorativos e especiais em diversos períodos da história do Brasil. A comemoração dos 300 anos de Minas Gerais foi marcada pelo lançamento de selo personalizado pelos correios, que foi lançado no dia 10 de março de 2020. A cerimônia de lançamento foi feita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e, no mesmo evento, foi divulgada a programação anual relativa às comemorações dos 300 anos de Minas Gerais.

 

  

Este selo é bastante representativo da importância da construção da memória para os órgãos oficiais. A própria arte do selo representa a visão que os envolvidos no lançamento do selo têm da história do estado. A logo em forma de mosaico, inspirado pelo efeito da luz no efeito dos cristais, tem a intenção de lembrar que “Minas é muitas” (para citar Guimarães Rosa).

Contudo, essa não foi a única vez que os selos postais construíram a memória mineira. Tendo como principal objetivo divulgar os múltiplos aspectos focalizados nos selos postais sobre esse território, os Correios, em parceria com o IHGMG, lança essa exposição virtual.

  

 

Municípios Mineiros sob o olhar dos selos postais

O aparecimento das cidades mineiras nos selos postais a partir dos anos 1940 se explica devido ao contexto histórico deste momento relativo à criação de leis e instituições relacionadas ao tombamento e preservação do patrimônio histórico e arquitetônico. Foi em 1936, às vésperas da ditadura do Estado Novo, que foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico Nacional (SPHAN). Em um primeiro momento, as ações do SPHAN foram voltadas somente para preservação e tombamento de expressões arquitetônicas. Além disso, neste período, há uma grande valorização do século XVIII, especialmente do barroco mineiro e das obras de Antônio Francisco Lisboa. Tanto que essa fase do SPHAN ficou conhecida como o “período da mineiridade” (SOUZA, 2006, p.150). Assim, vemos nesse momento selos que representam as cidades mineiras por meio de suas edificações tidas como mais simbólicas.

O primeiro selo deste estilo diz respeito ao bicentenário de Ouro Fino, trazendo a Igreja Matriz de São Francisco de Paula (1949). Outros exemplos seguem esse estilo, como os selos de 250 anos de Ouro Preto (1961) e de São João Del Rei (1963).

  

 

 

Curiosamente, contudo, o primeiro município mineiro a ser representado em selo postal é Belo Horizonte (1936). É esta cidade contemporânea, construída para ser a capital em 1897, que é marcada em um dos primeiros selos sobre Minas Gerais, destacando o 2º Congresso Eucarístico ali realizado.

 

 

 

 Um pouco depois, há o selo pela comemoração dos seus 50 anos (1947). E, neste caso, a representação adotada não se liga à arquitetura, optando-se pela reprodução do brasão da cidade.

 

 

 

Belo Horizonte também foi homenageada em um selo acerca do centenário de Aarão Reis, realizador da planta da cidade (1953).

 

 

 

Por fim, a cidade foi novamente homenageada por conta do seu centenário, dando-se destaque para a Serra do Curral, que limita o sul do município e está associada ao nome “Curral del Rei”, como era chamado o local antes da construção da capital.

 

 

 

A valorização das cidades mineiras em selos recentes manteve enfoque similar àquele dos anos 1940, dando destaque para conjuntos arquitetônicos em municípios de passado colonial e não tanto para os centros urbanos modernos. Uma releitura, portanto, dos ideais dos anos 1940 que tinham a preocupação em demonstrar a importância do território mineiro e sua expressão histórica a partir sobretudo de suas construções barrocas. Contudo, o que se percebe de diferente nos selos mais recentes é a evolução da técnica, dando-se mais espaço à representação das cores dos monumentos. Exemplo disso é a série de 1982, Turismo: O Barroco Mineiro, que trás representações de igrejas de Diamantina, Sabará e Mariana.

 

 

 

Mais recentemente, a série “Cidades Históricas” de 2011, trouxe três cidades mineiras tricentenárias: Ouro Preto, Sabará e Mariana. Vale ressaltar que podemos considerar toda cidade “histórica”, haja vista que esse tipo de núcleo populacional sempre será carregado de circunstâncias e espeficidades temporais sobre sua construção e ocupação humana, não importando se é mais antigo ou mais recente. Mas é importante descatar esta tendência dos selos postais sobre Minas Gerais em associar o histórico ao passado colonial, sobretudo às expressões do barroco.

 

  

 

Em outras emissões recentes, temos destaque para aspectos turísticos voltados para a a natureza da região, embora sempre em ligação com suas características urbanas. Particularmente, o selo em homenagem ao caminho real (2005) destaca a importância das estradas e circuitos de comunicação, que surgiram na época do ouro e, durante muito tempo, foram essenciais para ligar esta região interiorana ao litoral.

 

 

 

Já a emissão “Circuito das Águas” (2015) destaca-se por dar destaque a municípios ainda não representados em selos, postais, do sul do Estado e, também, aos elementos naturais ligados às mais de 35 fontes de águas minerais.

 

 

 

  

Eventos históricos e personalidades

Outro importante foco dos selos postais comemorativos diz respeito à comemoração de eventos históricos que, em um determinado momento, faziam parte importante da construção memorialística de determinados grupos sociais. O “valor publicitário dos aniversários” (HOBSBAWM, 2018, p.352) passou a ser consistentemente explorado no Brasil somente a partir do período republicano. É justamente em 1900 que surgem os primeiros selos comemorativos brasileiros, sobre os “400 anos do Descobrimento”. Os selos postais da república se iniciam dando destaque para a figura de Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes. Contudo, houve espaço também para outras personalidades e fatos históricos.

 

a)      A colonização do território:a bandeira de Fernão Dias Paes

 

As memórias construídas sobre Minas Gerais associadas ao período colonial passam inegavelmente pelas ações de colonização do território, realizadas em fins do século XVII pelas bandeiras. Especialmente, a expedição de Fernão Dias Paes, em 1694, foi bastante relembrada e reconstruída em períodos posteriores como um passo importante para a consolidação da expansão do território brasileiro rumo ao interior. Este bandeirante aparece em selo postal em 1974, devio aos 300 anos de sua viagem.

 

 

 

b)     Tiradentes e a Inconfidência mineira

Como é bem conhecido pela historiografia, a figura de Tiradentes e sua construção como herói nacional foi uma tentativa de associar os ideais republicanos da inconfidência mineira à um sentimento maior, de escala nacional.

Pode-se perceber que nos selos desde 1948 até 2008, a figura de Tiradentes foi representada a partir da imagem que lhe foi criada no final do século XIX e início do século XX, pelos republicanos (FIGUEIREDO; CABREIRA, 2020, P.166). Neste momento da história do Brasil, com a mudança do regime monárquico para a República, a elite política viu como necessidade a criação de heróis nacionais. Daí veio a recuperação da figura de Tiradentes, como representante de um sentimento republicano que teria surgido desde os tempos coloniais. No final do século XX, com o fim da ditadura militar, a figura deste indivíduo como herói foi novamente relembrada, dessa vez como forma de exaltar os princípios democráticos. A imagem de Tiradentes, portanto, pode ser entendida como uma criação a posteriori, que revela muito mais dos anseios e ideais do presente do que do passado colonial em si.  

 

 

 

c)      Antônio Francisco Lisboa e o Barroco Mineiro

Além de selos postais voltados para as expressões arquitetônicas do barroco com o foco em homenagem às cidades, existe um conjunto de selos que têm como motivo a celebração do escultor Antônio Francisco Lisboa, conhecido como “Alejadinho”. Estes selos revelam como as representações de Minas Gerais estão bastante voltadas para seu passado colonial, sobretudo na arte barroca.

A obra do artista aparece celebrada especialmente nos selos lançados por conta de seu bicentenário, em 1980, mas também são destacadas em emissões sobre o Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, aonde são dados destaques para suas esculturas (1958 e 2001).

 

 

  

d)     Literatura: do século XVIII ao XX

Os selos sobre literatura mineira também enfatizam o passado colonial, com destaque para aqueles que homenagearam Tomás Antônio Gonzaga  e Marília de Dirceu, sua óbra poética de maior expressão. No caso, a homenagem foi feita para Maria Dorotéia Joaquim de Seixas (1967), noiva de Tomás Antônio Gonzaga e que inspirou o trabalho. Ambos os personagens se destacam por terem participado da Inconfidência, revelando a importância desta temática na divulgação postal. O selo de Maria Dorotéia destaca-se por ser uma das poucas personalidades femininas da época a ser eterinzada em selo. Já o poeta foi retratado por ocasião dos seus 250 anos (1994).

 

 

 

Mas os destaques da literatura de Minas não se restringem somente ao século XVIII. Passando para tempos mais recentes, existem selos postais em homenagem à Guimarães Rosa, escritor mineiro de renome mundial. Sua obra foi reconhecida por captar a vida de jagunços no sertão profundo, especialmente no clássico Grande Sertão Veredas. O autor foi celebrado em duas emissões, pelos seus 70 anos (1978) e no seu centenário (2008). 

 

 

 

 

Uma história dos editais de selos sobre Minas Gerais

 

Os editais dos selos postais comemorativos e especiais são um folheto informativo que contém um texto de explicação sobre o motivo da emissão, bem como os detalhes técnicos das peças filatélicas. São lançados no mesmo dia do selo em questão e são considerados sua “certidão de nascimento”.

O formato do edital como conhecemos hoje começou a ser comum a partir do fim dos anos 1960. Antes, consistia apenas em um documento normalmente lançado previamente no Diário Oficial da União, anunciando a emissão do selo, seus detalhes técnicos e tiragem.

 

Exemplo de edital de selo, lançado no D.O.U, 1963

   

Nos anos 1970, os editais passaram a contar com textos de autoridades ou especialistas nos assuntos retratados. Por isso, a partir desse momento, é importante a investigação desses documentos para perceber quais autoridades ou instituições externas aos correios estavam envolvidas com a emissão de selos comemorativos ou especiais.

O primeiro edital sobre Minas Gerais assinado por uma pessoa externa é de 1972, sobre o Festival de Inverno de Ouro Preto. No texto, consta que as informações foram fornecidas por Roberto Lacerda, do Conselho de Extensão da UFMG.  A participação de pessoas e instituições envolvidas com o ensino e pesquisa foram bastante comuns nos editais de selos mineiros. Temos os seguintes exemplos:

  • Em 1974, é o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais que assina o texto sobre os 300 anos da Bandeira de Fernão Paes.
  • A série em homenagem à Antonio Francisco Lisboa (1980) contém edital assinado por Orlando Seitas Fernandes, Técnico em Assuntos Culturais do MEC;
  • O edital do Bicentenário da Inconfidência (1990) é de autoria de Rui Mourão, Diretor do Museu da Inconfidência Mineira; e
  • 250 anos de Tomás Antônio Gonzaga (1994) é de autoria da Fundação Biblioteca Nacional.

 

 

 

 

 

Mas as participações externas mais comuns foram a de órgãos municipais e estaduais, sobretudo ligados às Secretarias de Turismo das Prefeituras e Estado. Exemplos de editais com essas participações são as seguintes:

  • Centenário de Belo Horizonte (1997), assinado por Célio de Castro, da Prefeitura da cidade;
  • O selo em homenagem à Bom Jesus de Matosinhos (2001), assinado pela Fundação Municipal de cultura, lazer e turismo de Congonhas,
  • A série Cidades Históricas (2011), de autoria da Prefeitura de Ouro Preto, e secretarias municipais de turismo de Mariana e Sabará.
  • A série Circuito das Águas (2015) conta com a assinatura da Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais.  

 

É possível perceber, por meio dos autores dos editais dos selos sobre o Estado de Minas, que as celebrações de aniversário de municípios e aspectos turísticos da região são apoiados sobretudo pelos órgãos públicos locais ligados ao Executivo Municipal e Estadual. Portanto, construir a memória de um local é um processo de amplo interesse do poder público, como parte de políticas relacionadas à formação de elos culturais que tornem o território e sua população unificados. Este aspecto simbólico dos selos, que possui reminiscências desde o início da República brasileira, nunca deixou de ser presente, sendo comum até nos dias atuais.

   


Referências Bibliográficas

  

HOBSBAWM, E. J. A produção em massa das tradições: Europa, 1870 a 1914. In: A Invenção das tradições. 12a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.

 

NORA, P. Entre História e Memória: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 10, 1993.

 

RODRIGUES, A. F.; CABREIRA, M. A. B. Em busca de um rosto: a república e a representação de Tiradentes. São Paulo: Humanitas, 2020.

 

SOUZA, H. C. DE. Os cartões de visita do Estado : a emissão de selos postais e a ditadura militar brasileira. Dissertação de Mestrado, Porto Alegre: UFRS, 2006.